O que você costuma fazer às quartas-feiras?
Antes, por mais infernais que fossem, as minhas quartas sempre acabavam de uma maneira deliciosa. Depois da correria de trabalho, faculdade e toda essa sangria desatada da vida adulta, meu companheiro e eu sempre tirávamos um tempinho para acompanhar mais um episódio de Ted Lasso.
O dia até podia ter sido um saco. Mas, quando chegava a hora de Ted Lasso, tudo ficava bem. Eu me acabava de chorar e de rir ao mesmo tempo, me emocionando com personagens que se tornavam, cada vez mais, parte de mim.
Ou ao menos foi isso o que aconteceu por um bom tempo. Mas, com o fim de maio, chegou também o fim dessa história que tanto me cativou. E, por mais que a tenham encerrado com chave de ouro, confesso que ando sentindo um vazio descomunal em minhas quartas-feiras.
Para uma galera, talvez isso não faça muito sentido. Sei que várias pessoas não foram com a cara dessa série, vendo nela uma trama muito “felizinha” ou caricata. Eu a recomendo sempre que possível e, por isso mesmo, acabo sabendo de quem não se identificou com a narrativa e a considerou meio clichê.
E chega a ser engraçado: uma das coisas que mais gosto nela é justamente isso. Seu tom quentinho e aconchegante de “vai ficar tudo bem”. Além de suas piadas bestas e as discussões importantes que chegam de maneira tão natural, Ted Lasso me conquista exatamente por ser emotiva e, de certa forma, previsível.
Mas, dentre tudo que eu já esperava rolar, tem uma coisa que me surpreendeu. Ainda que dê para imaginar o caminho da história e o que pode acontecer com as pessoas à tela, tem algo que jamais achei que veria em um seriado como esse.
Nunca esperei que, em uma série com tantos personagens masculinos, a sensibilidade e o afeto seriam tão presentes.
De começo, tudo era um tanto clichê mesmo. Apenas um bando de heterotops se mostrando burros feito uma porta, reproduzindo o típico estereótipo do jogador de futebol profissional. Ted Lasso entra em cena com sua esperança inabalável e nos traz um pouco daqueles treinadores esportivos de filmes de Sessão da Tarde. E, com isso, pode até parecer que essa vai ser apenas mais uma série de fórmula pronta e sem essência própria.
Mas isso está longe de ser verdade.
Ted Lasso pode sim ser clichê em diferentes momentos. No entanto, seus personagens nos mostram o quanto é possível se conectar com as pessoas ao redor e não ter medo dos seus sentimentos. Eles continuam sendo um tanto padrões, de fato. Mas é lindo ver como esses jogadores não só encontram um espaço de pertencimento nesse time, mas também um amor tão profundo que até nós, espectadores, somos capazes de sentir.
E é isso que tanto me chama atenção.
Numa conjuntura em que impera a masculinidade tóxica, é até emocionante ver uma série cheia de homens que não têm medo de chorar entre seus colegas. Numa realidade em que se fala sobre redpills e incels, é reconfortante assistir o desenvolvimento desses personagens e vê-los se tornando cada vez mais sensíveis e empáticos. E, em um mundo tão brutalizado, o coração fica até quentinho ao perceber que, nessa trama, carinho e afeto são realmente contagiantes.
Esses homens se juntam para compartilhar suas angústias, dividir suas perspectivas, falar sobre seus sentimentos e aconselhar os amigos que precisam. Esses jogadores apoiam e constroem sonhos em conjunto, criam despedidas emocionantes e, sempre que necessário, estão ao lado de seus colegas pro que der e vier. Esses personagens se conectam cada vez mais ao longo da história e, por fim, mesmo com suas diferenças, se tornam uma família extremamente amorosa.
Mas sabe o que é tão especial? É que esse amor não é tipicamente masculino. Não é apenas aquele pacto de broderagem que prevê parceria e lealdade, mas não permite a expressão plena de sentimentos. Não é aquela coisa entre “parças”, no qual ninguém pode se mostrar frágil e querer conversar sobre seus problemas - afinal, isso é “coisa de mulher”.
Não. Ted Lasso, ainda que tenha suas falhas, acerta muito em mostrar homens sensíveis de verdade. Homens que se escutam, que se apoiam, que demonstram afeto e que não tem medo de derrubar algumas lágrimas. Homens vulneráveis, que erram e que estão dispostos a aprender com isso. E, principalmente, homens que se amam e que compreendem o poder que isso tem.
Ainda que não sejam perfeitos, os personagens de Ted Lasso conseguem questionar, nos pequenos detalhes, diferentes aspectos da masculinidade tóxica. Através de suas vivências sensíveis e demonstrações sinceras de carinho, esses jogadores, sem querer, apresentam novas possibilidades de se pensar o que significa ser homem. E, em um mundo cada vez mais reacionário, ver essa construção tão humanizada enche meu coração de esperança.
Às vezes me pergunto se, no fundo, toda essa sensibilidade não é o que incomoda as pessoas que não gostaram muito dessa série.
Será que, com narrativas cada vez mais mirabolantes e apelativas, a simplicidade de homens que reconhecem as próprias falhas se torna enfadonho demais? Será que, depois de tanta exposição à violência e brutalidade, a beleza das relações interpessoais já não é o suficiente para nos conquistar?
Talvez as pessoas só não gostem desse formato também, e não há problema algum nisso. Eu mesma não acompanho muitas séries que o pessoal adora, e tá tudo bem. Só acho que, de vez em quando, é importante nos perguntarmos: por que a simplicidade não parece mais tão cativante? Por que a sensibilidade humana não parece mais tão interessante? E por que as histórias só nos prendem quando envoltas em um drama astronômico, estilo Shonda Rhimes?
Não me leve a mal, eu adoro um dramão estilo Shonda Rhimes. Mas, depois de tanto tempo consumindo filmes de super-herói e outros formatos enlatados, me vejo cada vez mais apegada ao mundano e simplório. Foram tantos absurdos nos últimos anos que, no fim, são as narrativas clichês e banais que mais me conquistam. E vamos combinar que, depois de Bolsonaro presidente e pandemia de Covid, não faz mal buscar o que nos enche de esperança, né?
E é por isso que Ted Lasso se tornou tão importante para mim.
Minhas quartas feiras já não têm mais os grunhidos de Roy ou os discursos motivacionais de Ted, recheados de frases de para-choque de caminhão. Minhas quartas também já não têm o otimismo de Sam, a inocência de Dani ou mesmo a perspicácia de Trent Crimm. E minhas quartas até já sentem falta da determinação de Keely e também da sensibilidade de Rebecca.
Mas tudo bem. O bom de seriados como esse é que seus personagens são tão bem construídos que, mesmo sem novos episódios, eles continuam sendo parte de nossos dias. Eles imprimem uma marca em nós que, de alguma forma, os tornam inesquecíveis. E, mais do que nos permitir ser parte dessa grande família, eles também nos lembram de que é sim possível construir um mundo melhor.
Um mundo mais humano. Mais alegre. Mais sensível e esperançoso. E, principalmente, mais livre.
Talvez eu pareça um tanto iludida por pensar que um seriado de televisão é capaz de tanta coisa assim. Talvez seja até estranho ver uns marmanjos vulneráveis e emotivos como algo tão potente, mas não faz mal.
Se tem uma coisa que essa série me ensinou é que é preciso acreditar.
Gostou do que leu?
Pois é, eu sumi um pouco mais nesses últimos tempos. A vida anda meio corrida, mas acho que agora as coisas voltam ao eixo e as edições seguem a regularidade de sempre.
Se gostou desse texto, dê um coração e compartilhe com outras pessoas! E fique à vontade também para me contar nos comentários se você já conhece Ted Lasso e qual sua relação com essa série <3
Lembrando que eu continuo falando umas bobagens lá no instagram, caso queira me acompanhar. Pode chegar que eu vou adorar te receber!
Virgínia, vou replicar [quase] o mesmo comentário que deixei na news na Suellen, FOOTBOL IS LIFE!!!!! Alguns amigos (que confio nas indicações) já tinham ME INCENTIVADO FORTEMENTE (em tom um pouco agressivo, inclusive) a ver a série, mas foi o combo do seu texto e o da Sue que geraram uma força de URGÊNCIA pra eu começar. Depois de uma semana depois de ter terminado, tô começando a RE-VER pq não aceito viver sem o ted e o coach beard e todos esses personagens complexos e maravilhosos na minha vida. É PRECISO ACREDITAR. SIM. esses personagens geraram mudanças e esperanças em mim que carregarei por toda vida de um jeito MUITO lindo. Agradeço demais por colocar em palavras oq gerou a força de incentivo pra eu começar a ver a série e que agora também sintetiza muito das minhas reflexões depois de ter assistido <3
Ah, e na próxima temporada teremos uma história semelhante na vida real: o pequenino Luton Town, dono de um estádio de apenas 10 mil lugares, subiu para a primeira divisão inglesa. Vai ser divertido vê-los contra os gigantes.