É possível esperar um futuro? | Diários #03
Aula com o Ministro Silvio Almeida e reflexões sobre o amanhã
Diários é uma proposta de escritos pessoais e espontâneos, que compartilham um pouco mais do meu cotidiano e das vozes da minha cabeça.
Cheguei para a aula magna tão suada e desconfortável que, confesso, pensei que não aguentaria esperar pelo início da fala de Silvio Almeida. O calor era tão forte que, para segurar as pontas e não passar mal, precisei me sentar no chão sujo, puxar a barra da calça até os joelhos e me abanar como se não houvesse amanhã.
E ainda bem que o fiz. Pois, além de prestigiar a genialidade do nosso ministro dos direitos humanos, essa aula mexeu com todas as minhas estruturas - no melhor sentido possível.
É até curioso perceber como as coisas convergem tão bem: poucos dias antes, eu e uma amiga conversávamos sobre crise climática, as previsões catastróficas para os próximos anos e a dificuldade de se fazer planos a longo prazo em um contexto como esse.
E sabe qual foi o eixo central da fala do ministro? A importância de se lutar pela noção de futuro.
Como ele mesmo apontou, a realidade atual nos deixa presos ao presente. Diferente das gerações anteriores, que seguravam um pouco no agora para colher frutos lá na frente, nós não temos perspectiva nenhuma de futuro para fazermos o mesmo. Sem aposentadoria, sem direitos trabalhistas e vivendo de pagamento e pagamento, o que nos resta é nos atermos ao presente - mesmo ele sendo tão terrível.
Mas não para por aí. Sem as condições materiais para sairmos dessas lógica, o futuro deixa de ser uma construção e passa a ser uma aposta. Quando já não parece mais possível a existência do amanhã, é no hoje que colocamos todas as nossas fichas e esperamos o mínimo de realização em retorno. E, como bem trouxe Silvio Almeida, o número assustador de bets que vemos por aí é apenas um sintoma disso tudo.
Mas sabe o que mais me chamou atenção nessa aula incrível? Sabe o que mais me deixou reflexiva, a ponto inclusive de vir aqui compartilhar com vocês?
Foi a citação que o ministro fez a Paulo Freire ao nos falar sobre esperançar.
E não, você não leu errado. A citação de Silvio Almeida evoca a esperança exatamente assim mesmo, como um verbo. Esperançar, assim como lutar, nos exige mais do que uma relação passiva de espera. Nos exige ação. Nos exige imaginação e movimento. Nos exige sonho e também realidade.
Acho que foi por isso que essa palavra me emocionou tanto. Afinal, com previsões cada vez mais desanimadoras à frente, só mesmo com muito e sonho e luta é que podemos almejar um futuro. E só com muita esperança, no sentido ativo da coisa, é que vamos construir essa possibilidade.
Antes dessa aula, confesso que eu estava totalmente absorta pelas notícias sobre o colapso iminente do planeta e sem qualquer perspectiva de dias melhores. Antes da fala preciosa de Silvio Almeida, eu também me sentia presa ao presente e não conseguia imaginar um futuro possível.
Mas quem diria que, ao final deste processo, eu seria uma nova pessoa. Uma pessoa que, contra todas as expectativas, está disposta a lutar pelo amanhã.
Se você também não tem muita perspectiva pela frente, se anda borocoxô sobre os próximos anos e se não consegue vislumbrar uma possibilidade de futuro, saiba que não está só. E mais do que isso: saiba que ainda não é o fim.
Por mais difícil que seja, é preciso esperançar. Cometer essa rebeldia que é sonhar com um mundo melhor e realmente agir para construí-lo, ainda que não seja simples, é um caminho extremamente potente. E é exatamente o caminho que os poderosos não querem para nós.
O medo fala mais forte, eu sei. Em meio a tantas promessas apocalípticas, jogar a toalha parece um tanto tentador. Mas, entre deixarmos a peteca cair e construir em coletivo uma nova perspectiva social, acho que ainda prefiro a segunda opção.
Que tal fazer diferente dessa vez e ousar ter esperança?
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Obrigada por compartilhar! Seu texto deu fôlego a minha esperança 💚
Como sugestão de contraponto, aliás, de complemento à fala do prof. Silvio, recomendo um ensaio do Contardo Calligaris. Trata-se do terceiro capítulo do livro póstumo: O sentido da vida. Nele, ele falará sobre a apreciação estética como critério para relacionar-se com o mundo. É a defesa de uma espécie de hedonismo atento e esclarecido como norte do existir.
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Uma pílula: "Hedonista se tornou por si só uma crítica moral. Como se fosse possível a um humano não preferir o prazer ao desprazer. Como se preferir o prazer fosse uma falha moral. É uma curiosa e pesada herança cristã na nossa cultura: o sofrimento e a privação ganham pontos aos olhos de Deus e presumivelmente facilitam nosso acesso ao reino dos céus. O prazer, ao contrário, seria sem mérito, a escolha pelo mais fácil. A realidade é exatamente o contrário disso. O sofrimento e o desprazer (sobretudo auto infligidos) são quase sempre escolhas bovinas (que os bois me perdoem), inertes e resignadamente ignorantes. Enquanto o hedonismo, a procura do prazer, pede um esforço contínuo de atenção ao mundo e um aprendizado sem fim" - p. 112.
Um presente prazeroso e um futuro esperançado.. Olha...