Juro que eu não queria ser esse tipo de pessoa, mas é mais forte do que eu.
Tento me lembrar que cada um tem um tempo e que cada processo é único. Tento calar as malditas vozes da cabeça e apenas me sentir feliz por ver tanta gente realizando seus sonhos.
Mas não dá. Ainda que eu me alegre com tanta coisa boa sendo produzida, ver a trajetória de alguns artistas atiça uma voz interna que faz questão de me dizer que eu sou um fracasso.
Por mais que eu sinta orgulho da pessoa que alcançou milhares de leitores em sua newsletter, essa voz vem me lembrar de que eu tenho um tempo parecido de projeto e acabo de alcançar 50 inscritos. Ainda que eu adore ver tanta gente produzindo e sendo remunerada por sua arte, essa maldita vem no pé do ouvido e me fala que eu jamais conseguirei fazer algo do tipo.
E mesmo que eu tente ignorar seus sussurros e não ouvir suas críticas, é impossível. No fim, mesmo com muito esforço, ela sempre me vence e me convence de que eu não sou o suficiente.
Que minha arte não é boa. Que minha escrita é medíocre. Que não tenho muitos leitores porque não faço nada que mereça ser lido.
Não importa qual o modelo de crítica que ela escolha seguir, essa voz sempre é eficiente em me botar para baixo e me fazer acreditar que, no fundo, eu jamais serei uma artista de verdade.
E confesso que, ultimamente, tenho pensado se ela não tem razão.
Será que eu não estou me iludindo com essa história de processo criativo? Será que não é besteira da minha parte achar que eu posso viver fazendo arte? Será que não é prepotência minha achar que o que eu faço é arte, pra começo de conversa?
Será que meu sonho de ser escritora é, na verdade, uma grande farsa?
Reassisti ao documentário “Saída pela loja de presentes” em um momento um tanto emblemático.
Pensado primeiramente como um filme sobre arte de rua, essa obra não só traz todo o questionamento sobre como a arte se torna uma mercadoria, mas também vira uma reflexão sobre como o mesmo acontece com os artistas.
A figura principal da história é Thierry Guetta, um aficionado por cinema que filma artistas de rua em diversos cantos do mundo. Ele tem a sorte de conhecer e acompanhar o trabalho de Banksy, um dos artistas mais misteriosos do ramo, e consegue takes incríveis dele em ação. É uma coisa de louco.
No entanto, o que chama mesmo a atenção é o fim disso tudo. Porque, quando Banksy sugere que o cinegrafista experimente um pouco da arte de rua, algo inesperado acontece: Thierry cria uma persona, chamada Mr. Brainwash, e se torna um dos artistas mais populares do meio.
Mas sabe como isso acontece? Sabe o que o documentário nos mostra sobre a trajetória do Mr. Brainwash?
É que isso não é sobre arte. Isso é sobre capitalismo.
Thierry tem ideias para suas obras e contrata pessoas que as façam para ele. De repente ele decide fazer uma exposição para mostrar o seu trabalho, e pede aos seus contatos, como Banksy, para divulgarem o evento ou comentarem algo a respeito. E é aí que está o negócio.
Quando Thierry divulga sua exposição com as palavras do Banksy, isso chama a atenção do mercado. Ele é tão bom em seu marketing pessoal que até a LA Weekly faz uma entrevista e divulga sua exposição, sem nem conhecê-lo. E a especulação se torna tão grande que, antes mesmo da estreia, já existem colecionadores de arte comprando suas telas por alguns milhares de dólares.
Mr. Brainwash não sabe explicar a intenção por trás de suas obras. Entre réplicas e mais réplicas de elementos da cultura pop com alguma coisa que lembra grafite e arte de rua, ele se tornou sensação sem nem ter desenhado as próprias peças.
E sabe o que é mais maluco em tudo isso? É que bastou um artista renomado dizer que aquilo era bom para que, sem nem conhecer ou se interessar pelo assunto, milhares de pessoas fossem à exposição e gastassem dinheiro para ter um famoso quadro do Mr. Brainwash.
Elas não estavam interessadas na arte. Elas também não sabiam dizer o que aquelas peças representavam ou as fazia sentir, assim como o próprio artista. Mas elas sabiam de uma coisa: que ele era famoso.
E isso já bastava.
Comentei com meu companheiro ao final o quanto era frustrante ver esse panorama. Não que eu tenha interesse em questionar qualidade ou validade das obras de Mr. Brainwash, mas um ponto fica muito forte quando os créditos começam a rolar: as pessoas não querem mesmo saber de artistas. Elas querem é celebridades.
O glamour. O mistério. O status. Crescemos com a promessa de que o estrelato é o caminho para uma vida mais significativa e, na esperança de sentirmos uma mísera migalha disso, consumimos a vida de celebridades como um produto na prateleira. Sedentos por um pouco de realização, tentamos fagocitar artistas e pegar pra gente essa sensação - mesmo sabendo que não é assim que a banda toca.
As pessoas que passeavam pela exposição do Mr. Brainwash, mais do que preocupadas em se nutrir de arte, queriam mesmo é um pedacinho dessa fama repentina que toda a história representava. Ávidas por um mínimo de sentido e emoção em suas vidas, elas faziam o possível para realizar a promessa fajuta de que esse é único caminho para a felicidade.
Mas não para por aí. Porque, com as redes sociais, essa lógica de vida de famoso se espalha e é reproduzida até a exaustão. Chegamos ao ponto em que, se quiser tentar viver enquanto artista, você vai ter que virar influencer e dançar conforme a música (às vezes literalmente).
Afinal, o que importa não é produzir arte. É produzir conteúdo.
Como aponta Aline Valek em “A escritora que querem comer viva”,
“Aí reside minha principal frustração com essa nova forma de habitar a internet: ser bem-sucedida como escritora (ou professora de yoga, ou artista, ou empreendedora, ou cozinheira) significa se tornar uma celebridade, assumir o fato de que as pessoas não querem consumir apenas o que você faz, mas querem consumir você.”
Sabe o que isso tudo me faz perceber? É que, para o mercado, pouco importa o que você produz. É quem você pode ser que realmente interessa, e principalmente o quão lucrativo você promete ser.
E aí é que tá: num sistema em que a arte só parece ter valor conforme a fama de seu criador, a minha maldita voz interna não está lá tão errada. Se eu só posso ser considerada uma boa artista se eu também me tornar uma celebridade, eu estou mesmo fadada ao fracasso.
Vez ou outra esse panorama sobre celebridades e oportunidades me pega de jeito e, inevitavelmente, me vejo em crise com a minha trajetória. Parece que nada do que faço vai ser suficiente um dia e, nesse loop de frustração e desânimo, costumo me perguntar: de que adianta?
Por que escrever? Por que bater cabeça tentando criar uma carreira com algo que não me cabe? E por que manter um sonho tão besta quanto ser escritora?
Nem sempre é fácil sair desse modo. Mas, quando o trem fica feio e eu preciso de uma palavra amiga, eu faço o improvável e busco justamente em minha arte um pouco de conforto.
Retorno aos meus textos e leio uma produção aqui ou ali, como se fosse a primeira vez. Me permito ser uma estranha para minhas próprias palavras e deixo que elas me guiem nesse processo, sem saber o que esperar no final.
E sabe o que tenho reparado nesses momentos? Sabe qual a minha grande surpresa?
É que, na real, eu gosto muito do que produzo.
Mais do que isso: essas palavras me fazem lembrar do quanto eu me divirto com todo o meu processo criativo e do quanto eu me empolgo ao ver um texto tomando forma. Eu realmente gosto de escrever.
Percebo que, no fim, não é a possibilidade de uma carreira que me faz passar por isso. Não é o mercado quem me faz produzir. E, felizmente, vejo que isso nunca foi sobre uma vida de celebridade ou qualquer coisa do tipo.
Isso sempre foi sobre pessoas.
Sobre me conectar. Sobre me expressar e encontrar meus pares. Sobre criar um mundo novo. E, principalmente, sobre pertencimento.
Talvez eu esteja longe de ser uma promessa de escritora bem-sucedida. Talvez eu jamais consiga fazer da escrita o meu trabalho principal. E talvez, no fundo, minha arte não tenha valor o suficiente para este mercado.
Mas, hey, quem disse que ela precisa ter valor de mercado?
Enquanto esse processo fizer sentido para mim, é o que me basta. Enquanto a escrita me permitir expressar e plantar sementes por aí, eu continuarei com ela. Apesar das frustrações e do desânimo, eu ainda vejo motivos para continuar escrevendo. E é só disso que preciso.
No fundo, meu sonho de ser escritora pode mesmo ser uma ilusão. Mas tudo bem. Viver uma ficção, pelo menos, pode ser um bom jeito de aprender como escrever uma.
Gostou do que leu?
Obrigada por me acompanhar até aqui!
Me conte nos comentários o que achou desse texto e deixe seu coração pra ele também! Adoro saber que minha arte chega até as pessoas e cumpre seu papel de sementinha.
Lembrando que eu continuo falando umas bobagens lá no instagram, caso queira me acompanhar. Pode chegar que eu vou adorar te receber!
Há algum tempo, li uma matéria aqui do Substack mesmo, falando que o tempo médio para se conseguir mil inscritos em uma newsletter era de no máximo cinco meses. Enquanto eu lia aquele texto, eu tinha vinte e oito inscritos e estava escrevendo a news há seis meses. Nem preciso dizer que me senti um lixo.
Mais tarde, fui pesquisar sobre agentes literários e as matérias que li eram desanimadoras. Todas falavam a mesma coisa, que não adianta enviar e-mail, nem entrar em contato, que você precisa conhecer alguém do ramo para poder se inserir nesse meio e só então, quem sabe, seu livro poderá ser lido por alguém, e quem sabe, talvez, role um contrato. Não conheço ningém da área, e não tenho outra forma de me conectar com essas pessoas a não ser dando minha cara a tapa através de e-mails, e quem sabe, conexões no Linkedin. Pensei: Ok, e o que é que eu faço, então? Desisto?
Contei essa miha experiência porque de alguma forma ela se conecta com o sentimento que você expressou no texto, e me trouxe novamente as sensações que senti naqueles dias. Outro fenômeno que acho interessante é que as pessoas que parecem fazer sucesso com a escrita nas redes sociais (e insisto em redes sociais aqui porque é através delas que o sucesso é medido atualmente) são as que criam conteúdo, cursos, aulas, palestras, sobre como escrever, como lanaçar seu livro, cursos sobre escrita criativa, etc. Não é estranho ter mais gente querendo ensinar como ser artista do que sendo artista de verdade? Se vender cursos e conteúdo técnico for a saída para o sucesso, então também tá difícil para mim, porque não é algo que me instiga e passa longe da forma que eu quero me expressar.
Não sei se minhas palavras foram de alguma ajuda. Foram mais para me expressar mesmo. Obrigado por compartilhar o texto com a gente e se pôr vulnerável, é importante saber que tem mais gente sentindo o mesmo que a gente sente.
No mais, penso que de repente seja necessário "dançar conforme a música" por algum tempo, pelo menos no início da festa. Se não quiser dançar a música completa, ao menos dê alguns passos no ritmo dela, para depois, quando você tiver conquistado um melhor lugar na pista de dança, você poder ir lá e dançar do jeito que você quiser. E aqui, inclui fazer o máximo possível para ser visto, lido, e apreciado.
Abraço, sucesso e alimente a sua autoestima, principalmente com relação a sua arte! Você vai precisar dela, você só vai ter ela, na hora de dançar a sua música!
Chegando aqui através do Post da Vanessa. E devo dizer que, adorei e me identifiquei muito com o seu texto!!!! É natural termos essa síndrome de impostor porque ainda temos pouco público... Mas não desanime... Vc escreve muito bem! E tenho certeza que a sua arte vai inspirar muitas pessoas ainda...
Ps: ganhou mais 1 assinante!!! ❤️❤️❤️