O simples também é complexo | Diários #06
Uns trem que pensei depois de ver Dias Perfeitos
Diários é uma proposta de escritos pessoais e espontâneos, que compartilham um pouco mais do meu cotidiano e das vozes da minha cabeça.
Saí um tanto impactada da sala de cinema. Fui esperando uma história simples e, no fim, foi exatamente o que vi. Mas, como tudo que permeia Dias Perfeitos, sinto que até o simples tem sua própria complexidade e também pode ser aquela pedrada bem dada.
Nem todo mundo na sala pareceu contente com o filme. Entre pessoas que saíram no meio da sessão e comentários negativos que meu companheiro pescou ao final, percebemos que Dias Perfeitos, no fim, não agradou a gregos e troianos.
E não é à toa. Em um mundo com cada vez mais estímulos e plot twists, uma narrativa que leva o seu tempo e se baseia no cotidiano comum pode parecer mesmo um tanto monótona.
Mas foi justamente isso que me pegou: o quanto esse filme é mundano. O quanto ele emociona por dialogar com nossa humanidade em pontos aparentemente tão banais. E, principalmente, por conseguir deixar sentimentos e reflexões profundas com uma história tão simples quanto a rotina de um senhor em Tokyo.
Em tempos em que tudo precisa ser tão elaborado e grandioso, Dias Perfeitos se tornou uma grata surpresa.
E, sem querer, uma voadora na cara também.
Essa edição, por mais que seja sobre Dias Perfeitos, não é exatamente sobre Dias Perfeitos. Essa edição, na verdade, é sobre a dualidade entre a beleza do cotidiano e a crueldade de um sistema desumano.
Porque veja, o que mais me tocou nesse filme foram os momentos em que o protagonista se emocionava com a vida acontecendo. O balançar das árvores, as crianças atravessando a rua, a comunicação indireta através de um jogo da velha. Hirayama parece realmente se alegrar em ver a vivacidade do cotidiano.
E isso dialogou muito com meu próprio movimento de encontrar prazer nas pequenas coisas. Para além do analógico e da dificuldade de socialização, me identifico com Hirayama justamente nesse ponto: na busca pela beleza nas amenidades.
Dentre tantos conteúdos por aí que bradam sobre vidas incríveis e aventureiras, é até difícil de acreditar que existe beleza no banal. E em um mundo de feitos cada vez maiores, o cotidiano vai perdendo o seu encanto e a vida vai ficando sem brilho. Sem graça. Afinal, como competir com todas as emoções que vemos por aí? Como nos sentirmos empolgados se estamos aprendendo a cada dia que só o grandioso que merece nossa atenção?
Daí eu vejo filmes como esse e, num estalo, percebo o quanto ainda é possível se emocionar com o ordinário. O quanto, ao contrário do que dizem, o mundano também tem muito valor. E, principalmente, o quanto o humano ainda é capaz de ser surpreendente, mesmo nos pequenos detalhes.
Mas, como nem tudo são flores, esse não é o único sentimento que me tomou ao final da sessão.
Ao mesmo tempo em que me emociono com tudo isso, também me pergunto se esse encantamento pelo banal não é, na verdade, apenas uma forma de se alienar em um sistema tão cruel. Se a alegria ali mostrada é apenas uma forma de tentar ver algo bom em uma vivência que é cada vez mais destruidora.
E se por trás da rotina regrada de Hirayama não há, na real, uma lógica de disciplina do trabalho muito bem moldada? E se, no fundo, essa repetição toda não é um refúgio ou um prazer do personagem, mas apenas uma reprodução acrítica do famoso acordar, trabalhar e se preparar para o expediente do dia seguinte?
Hora nenhuma o filme levanta essa discussão. O foco não é esse e nem existe uma referência direta a isso por parte do protagonista.
No entanto, sou invadida por essa sensação dúbia de emoção e angústia que me leva a pensar nisso. Essa emoção que me faz questionar se, na real, o que vemos é um homem totalmente moldado ao capitalismo (quer queira ou não) e que só consegue viver em prol do trabalho, nada mais. Se a alegria demonstrada, na verdade, é apenas uma máscara de quem já foi tão desumanizado que já nem sabe mais a diferença entre ser feliz e performar felicidade.
Se, no fundo, o que vemos é uma pessoa que busca o mínimo de encantamento no exterior para tentar mascarar a dor de uma vida esvaziada pela alienação.
Provavelmente não é nada disso, e Hirayama é realmente um homem feliz com seu cotidiano simples e repetitivo. Provavelmente existe um olhar ocidental e millennial de minha parte, que vê um estilo de vida diferente a partir dessa perspectiva.
Mas, ainda assim, sou atravessada por essas perguntas: será que ele sente que isso é o suficiente? Será que essa rotina basta para que ele se sinta vivo?
Não demoro a perceber que o meu questionamento, por mais que tenha seu lugar, não é exatamente sobre a rotina e a vida de Hirayama. Percebo que, no fundo, isso é muito mais sobre mim do que sobre o protagonista e toda sua história.
Faço então a pergunta que realmente precisa ser feita e me questiono: e a minha rotina, é o suficiente? Ela me faz sentir viva?
E confesso que estou até agora pensando nessa resposta.
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Seu texto me fez perceber que eu tinha esquecido de assistir esse filme, mesmo ele estando na minha lista. De fato, as vezes busco encontrar qualquer tipo de beleza nas miudezas da vida, pra dar um folego e aguentar a vida.
tive os mesmos questionamentos que vc vendo esse filme. não tinha parado pra pensar até então que isso pode ser apenas uma visão ocidental nossa, que todo dia precisamos nos LEMBRAR de apreciar o banal e as pequenas coisas. o quão louco é isso?