Foi um projeto de férias um tanto inusitado. Mas, para ser sincera, também foi bastante divertido.
Depois que terminei minha saga com Boruto (o filho do Naruto), resolvi aproveitar o tempo livre para maratonar o anime original e relembrar um pouco da história que acompanhei quando tinha lá meus 13 anos.
Chorei um pouco mais do que antes, já que fiquei mais emotiva ao longos desses anos, e me estressei ainda mais com as barras forçadas (e quem assiste anime provavelmente sabe do que eu estou falando).
Mas sabe o que me pegou dessa vez e que eu nem me dei conta quando mais nova? Sabe o que reparei na história que alugou um triplex na minha cabeça?
É que, em Naruto, todo personagem deseja ser o melhor em alguma coisa.
Naruto quer ser o melhor ninja para se tornar hokage e ganhar o respeito da vila. Rock Lee quer ser o melhor em taijutsu para provar seu valor. Sasuke quer ser o mais forte para se vingar de seu irmão. Sakura quer se tornar a melhor em jutsu médico e ser útil para o seu time.
E esse é só o começo da lista, hein.
Nesse universo, não existe espaço para ser mediano. A não ser por Shikamaru, que assume sua preguiça e falta de vontade das coisas (mas se torna um general fodido depois), todo mundo tem um ímpeto absurdo por se destacar em suas áreas e, de alguma forma, entrar para a história.
Já eu, em contrapartida, estou longe desse objetivo. Sem diploma, sem plano de carreira e sem muita ideia pro futuro, tenho 30 anos nas costas e ainda não sei o que quero pra mim. Diferente dos personagens à tela, eu não tenho sonhos bem definidos e nem sei o que preciso fazer para alcançá-los.
Por isso que um triplex é alugado em minha cabeça ao longo dessa maratona. Porque, ao parar para pensar em tudo isso, sou obrigada a me dar conta de algo que eu não queria: que, no fundo, eu sou apenas mais uma pessoa medíocre.
De onde vem o medo?
Percebi que, ao longo de minha vida, o medo da mediocridade sempre esteve presente.
Fosse ao escrever para um novo blog, nos treinos de malabares ou nas aulas de dança, eu nunca me permiti ser mais ou menos. Já queria começar sabendo das coisas, e inclusive me sentia mal quando não conseguia dominar algo logo de cara. Mesmo sabendo que falhar era parte do processo, eu me sentia péssima por não ter um dom divino que me fizesse acertar tudo de primeira.
E é claro que não é assim que a banda toca, né.
Insisti por muito tempo nessa necessidade de ser genial em tudo que me propunha a fazer. Nem que fosse por milagre, eu queria já ser boa nas coisas logo no começo e não passar pela frustração do fracasso.
Mas advinha? Eu só me frustrei muito mais nessa brincadeira.
Sem perceber, essa ideia de ser a melhor já estava instalada em minha mente. Mesmo sem entender o motivo de tanta autocobrança, eu estava reproduzindo o maldito “trabalhe enquanto eles dormem” e querendo sair na frente de todo mundo nas coisas mais banais possíveis.
Só que, diferente do Naruto, isso não era sobre um propósito maior. Nada como proteger meus amigos de um perigo iminente ou salvar a vila que amo. No fundo, era só puro ego mesmo.
E é uma merda perceber isso, viu. Sacar que você está competindo sabe-se lá com quem para ser a melhor em coisas que nem dá muita bola não é apenas frustrante, mas vergonhoso. E se dar conta dessa necessidade estúpida, que não agrega em nada na vida, é ainda pior.
Mas como ser diferente? Em um sistema que está o tempo inteiro te botando para baixo e te dizendo que você só vai se sentir melhor quando se destacar dos demais, uma hora você acaba acreditando nessa baboseira. E então, sem perceber, você está em uma disputa que nem queria entrar, para começo de conversa, e acumulando um bocado de frustração por não ser a ganhadora.
Mas aí é que tá: ganhar o quê? De quem? E pra quê?
As coisas mudaram na minha vida quando percebi que, na real, eu não tinha respostas pra nada disso. Eu não estava ganhando nada e nem tinha alguém com quem competir, na verdade. Foi aí que entendi, enfim, que não tinha motivos para me preocupar em ser a melhor.
Só que, nos últimos tempos, eu tenho percebido que isso ainda ressoa em mim. Já é um puta alívio não precisar me destacar, isso sem dúvidas. Mas, ainda que eu não me cobre de ser genial desde o começo, percebi que ainda espero ser boa nas coisas de alguma forma.
E aí voltam as perguntas: será que eu preciso ser boa mesmo? Será que não saber fazer algo é esse crime todo?
Será que é tão ruim assim ser uma pessoa mediana?
Uma grande oportunidade
Outro dia, em uma roda de conversa do trabalho, falávamos sobre inseguranças que temos e como elas nos impedem de reconhecer o quão bom somos nas coisas.
Mas confesso que senti um certo incômodo. Claro, eu também sou insegura em vários momentos e tenho dificuldade de reconhecer minhas habilidades. Só que, com a pergunta anterior na cabeça, eu percebi que não bastava mais falar só sobre isso. Era preciso ir além.
Quando abri o microfone, meu coração estava na boca. A ansiedade tomou conta e eu quase desisti de falar, mas preferi insistir. Porque, no fundo, eu também precisava ouvir.
E então eu chutei o pau da barraca e trouxe que, na real, está tudo bem não ser bom e nem dar o seu melhor sempre. Que ser uma pessoa mediana também é mais do que suficiente. Que não existe nada mais humano do que experimentar coisas e ser ruim nelas. E que, ao contrário do que costumam dizer, não existe tanto problema assim em ser um pouco medíocre.
Por definição, medíocre é aquela pessoa ordinária, mediana, que não se destaca em nada do que faz. E, por convenção social, aprendemos a ver isso como a pior coisa que poderia acontecer com alguém.
Mas, ultimamente, tenho pensado nisso menos como uma derrota e mais como uma libertação. Não estar em destaque, diferente do que me ensinaram, é uma oportunidade muito mais interessante do que parece. Porque, com isso, enfim tenho a liberdade necessária para experimentar e vivenciar o que bem entender.
Com isso, posso brincar com minha escrita sem me preocupar em me tornar a próxima Hemingway ou Ferrante. Posso dançar feio, cantar esquisito, tirar fotos sem propósito e criar as maluquices que sempre quis sem o medo de errar ou de não ser boa o suficiente. Posso, enfim, me permitir fracassar.
E sabe o que reparei nisso tudo? É o quanto as coisas podem ser divertidas.
Quando tiramos o peso da genialidade e nos permitimos experimentar de fato, o processo é totalmente diferente. Mais livre e mais fluido, o fazer toma outra dimensão e realmente traz momentos muitos mais inusitados e espontâneos. Quando não é preciso fazer uma obra prima em tudo que se propõe, dá pra se divertir e se maravilhar enquanto cria. E olha, isso é tão precioso que eu não consigo mais abrir mão.
Novas formas de encarar o processo
Diferente do Naruto, eu não estou mais preocupada em ser a melhor em nada.
Claro que ainda tenho vontade de mandar bem no que gosto, como a escrita, ou mesmo nas bobagens que me encantam, como nadar com uma cauda de sereia. Mas, agora, sinto que posso fazer isso de outra forma e olhar para o processo com outros olhos.
Minhas paixões são o que me movem, e isso não é novidade. É através delas que experimento e transformo as coisas ao meu redor, além de encontrar mais sentido para os meus dias também. E é ao me dedicar à elas que me sinto mais humana e mais pertencente a esse mundo.
Desta forma, mais do que a recompensa que pode gerar, é o próprio fazer que me interessa. Mais do que uma linha de chegada que preciso ultrapassar, é o trajeto e todas as suas oportunidades que, de fato, fazem com que tudo valha a pena. Por isso que, ao invés de buscar uma suposta genialidade, ando mais preocupada em continuar fazendo, me reinventando e me divertindo.
E acredite, isso tem me trazido muito mais realização.
Mantenho minha dedicação naquilo que faz sentido e continuo nesse processo de aprimorar o que me move. Afinal, como também percebi em Naruto, a prática e o aprendizado contínuo podem te levar a lugares incríveis - diferente do ego.
Por isso, deixo as grandes pretensões de lado e apenas faço o que meu coração me pede. Pratico minha arte e desenvolvo minha técnica porque me alegra continuar produzindo, e não porque preciso ser a melhor nisso. Aproveito para experimentar e errar bastante, sempre me divertindo e refletindo sobre esse processo.
E, finalmente, me permito ser apenas mais uma. Mais uma escritora, mais uma artista, mais uma sereia ou qualquer outra coisa. Mediana ou genial, medíocre ou excepcional, que seja. Não é isso que me importa, mas sim a realização que encontro no meio da caminho.
Desculpa, Naruto, eu seria uma péssima hokage. Mas quer saber? Não tem problema. Eu descobri um prazer imenso ser apenas humana.
Que tal umas sugestões da V?
Essa edição demorou umas boas semanas até ficar pronta. Um pouco porque eu não queria falar da minha competição besta e um pouco também porque acabava indo ver Naruto ao invés de escrever.
O ponto é que, ao longo desse processo, topei com algumas outras produções que me deram o gás necessário para continuar esse texto e quero muito compartilhá-las com vocês:
Direito à mediocridade, da Carina Bacelar, que me apareceu sem querer enquanto eu escrevia e dialoga demais com o que trouxe nessa edição;
Como se tornar um sketcher urbano, do Márcio Melo, que traz justamente o quanto é difícil começar algo e lidar com o quão ruim somos no início;
Não tem outro jeito, da Carla Soares, que aponta como a nova lógica de mercado deixa cada vez menos espaço para o que é espontâneo e humano;
Será que é preciso ter opinião sobre tudo?, da Camila Flor, que reflete sobre Everest e a corrida por ser O Melhor Ser Humano Possível de uma maneira incrível.
Essas edições, além de serem leituras maravilhosas, também foram inspirações de alguma forma pra que eu enfim terminasse esse texto. Obrigada por isso, minha gente <3
Gostou do que leu?
Obrigada por me acompanhar até aqui!
Me conte nos comentários o que achou desse texto e deixe seu coração pra ele também! Adoro saber que minha arte chega até as pessoas e cumpre seu papel de sementinha.
Lembrando que eu continuo falando umas bobagens lá no instagram, caso queira me acompanhar. Pode chegar que eu vou adorar te receber!
“Não estar em destaque, diferente do que me ensinaram, é uma oportunidade muito mais interessante do que parece. Porque, com isso, enfim tenho a liberdade necessária para experimentar e vivenciar o que bem entender” – a bruxa da Maria Homem tem uma fala sobre procrastinação cuja tese é: a elevação do acesso às informações nos trouxe a oportunidade de nos depararmos com o que há de melhor em tudo. Isso elevou nossos ideais. De ser como o melhor da rua/bairro/cidade... para o melhor do mundo. Diante dessa elevação, criou-se uma distância tão grande entre o Eu e o ideal que o Eu nem começa a caminhada, procrastina.
Perceba que seu texto é exatamente sobre o rebaixamento do ideal como forma de se permitir e de fruir a trajetória em si.
Descobertas simulares que partem de pontos diversos tendem a ser uma aproximação daquilo que podemos chamar por verdade.
Parabéns pelo texto.
Que edição maravilhosa! ❤️