Pensei que era apenas uma bizarrice da adolescência. Que, com o passar dos anos, esse processo de me aproximar e me conectar com outras pessoas se tornaria mais fácil e, de alguma forma, eu não me sentiria tão alienígena assim.
Quanta inocência, não?
Acaba que, na real, tudo se tornou mais difícil nos últimos tempos. E, por mais que tenha encontrado pessoas muito queridas e feito amizades que aceitam minhas esquisitices, tem algo em mim que trava quando o assunto é conexões humanas.
Apesar de todo o meu avanço nessa área de socialização, confesso que ainda me sinto deslocada. Parece que todos estão na mesma página e sabem exatamente o que fazer, menos eu. É como se todo mundo tirasse de letra essa coisa de fazer amigos, enquanto eu me sinto totalmente inadequada nesse processo.
E, só para ajudar, ainda sou péssima em cultivar as poucas amizades que me restam.
Afinal, o que será que tem de errado comigo? Por que diabos é tão difícil me sentir bem com outras pessoas? E por que me sinto cada vez menos conectada com quem está ao meu redor?
Já comentei em uma edição anterior o quanto socializar me parece, de vez em quando, uma bomba a ser desarmada. É preciso muito cuidado com o que se diz, com o que se faz e com o que se é. E, mesmo assim, existe um grande risco de tudo dar errado.
Seguir a cartilha social de como se relacionar com o outro me gera uma ansiedade desgraçada. Sempre acho que estou sendo inconveniente, fico pisando em ovos para não ofender ninguém e, por todo meu histórico de trabalhos com atendimento ao público, vivo em estado de alerta quando conheço outras pessoas. É horroroso.
Uma simples conversa parece ter tantas regras e símbolos ocultos por trás que, sinceramente, me sinto exausta só de tentar. E, só para ajudar, a sociedade ainda impõe muitas outras regras não ditas para mulheres. Não tem saúde mental que aguente.
No entanto, percebo que os tempos atuais têm mudado a forma como nos relacionamos e como enxergamos o outro. E não necessariamente para melhor.
Cada vez mais cansados e automatizados, parece que socializar se tornou mais um tópico em nossa lista de tarefas. Não só tratamos nossas relações como algo em que precisamos dar check, mas também procuramos a forma mais impessoal possível para fazer isso. É preciso que seja rápido, é preciso que seja satisfatório e, principalmente, é preciso que dê algo em troca.
Afinal, tempo anda escasso demais para perdemos com o que nem dá retorno, né?
Uma roda de conversa tem se tornado um espaço em que todos falam, mas que ninguém realmente se escuta. Mais preocupados com a nossa própria individualidade, os diálogos se tornam uma forma de reforçar identidades pessoais e não uma ferramenta de comunicação. E, tão ocupados com nossas vidas malucas, esquecemos de prestar atenção ao outro e descobrir quem ele é de fato.
Assim, presos em nossas próprias caixinhas, nos tornamos um grande amontoado de mundos isolados e achamos que isso é criar vínculos.
A ideologia neoliberal vai adentrando todas as esferas de nossas vidas e, sem percebermos, estamos gerindo afetos como se fossem negócios. Fazemos amizades pensando no que elas podem nos oferecer, como se até isso precisasse gerar lucro. Deixa-se de lado as conexões e, no fundo, tudo vira o tal do networking.
Só que, é claro, isso não se sustenta. E, no fim, acabamos isolados, solitários e doentes por calor humano - mesmo rodeado de pessoas o tempo inteiro.
O que mais me surpreendeu durante o meu último período de férias é o quanto eu sou outra pessoa quando eu tenho tempo.
Quando não tenho que me preocupar com o expediente do dia seguinte, parece que tudo em minha vida flui diferente. Eu tenho vontade de fazer coisas, eu sinto muito mais energia e disposição, me vejo sendo extremamente produtiva e, quem diria, até gosto de sair e trombar gente por aí.
Foi assim que retomei o meu hábito de caminhada e voltei a dar oi para os meus colegas de trajeto. Foi assim que me animei a prestigiar um festival da cidade e acabei me divertindo horrores com um show gratuito do Supla.
E foi assim também que, enfim, senti a diferença de olhar para as relações pessoais com outros olhos e buscar formas de socialização para além da lógica atual.
Quando não estou absorta na loucura do trabalho, os encontros com os amigos e os papos que temos são bem diferentes. Na oportunidade de viver em outro ritmo, me vejo muito mais aberta para as relações e muito mais nutrida pelos afetos. E com uma sensação maior de vivacidade dentro de mim, percebo que socializar também pode ser revigorante.
Neste contexto, parece que é possível me conectar com alguém sem toda a reprodução dessa lógica maldita de empresa nas relações interpessoais. E isso, minha gente, vale ouro.
Percebo enfim que não é que existe algo de errado comigo. É o sistema que insiste em nos dividir e nos desumanizar, tirando até os afetos de nosso controle e os enchendo de ideologia de mercado.
E sabe do que me dou conta também? É que, nesse caso, a inadequação faz todo o sentido. Afinal, num mundo pautado por networking, é mesmo fora da curva buscar conexões humanas reais.
Encontrar meus pares e me sentir pertencente continua em processo por aqui. Mas, ao menos dessa vez, encaro ele com outros olhos e vejo uma luz ao fim do túnel.
Por mais que seja desgastante e um tanto confuso, eu estou disposta a insistir nesse trem de fazer amigos. Ainda meio fora de lugar, faço um esforço para trombar pessoas queridas e compartilhar com elas um pouco dessa vivacidade que tem me habitado. E mesmo me sentindo um pouco alienígena, percebo que, no fim, tudo vale a pena.
Afinal, como aponta Antídoto, a amizade é mesmo revolucionária.
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