Registro ou performance?
É aquilo: se eu não transformei algo em uma dancinha do TikTok, será que eu realmente vivi?
O impensável aconteceu: eu me tornei uma tiktoker.
Resolvi tirar do papel um plano que já era antigo e adentrar a famosa rede para experimentar um pouco do universo da criação de vídeos. E, mais do que um espaço de dancinhas e trends virais, comecei esse perfil para explorar a minha criatividade em outros formatos que não só a escrita.
E olha, foi mais gostoso do que eu esperava. Fui montando vídeos e criando histórias do meu próprio jeitinho e, sem querer, me vi sendo criativa. Me vi fazendo algo que teve o interesse da galera e sendo artista, mesmo de uma maneira diferente.
Pena que o trem desandou bem rapidinho.
Porque veja, eu não sou do tipo de pessoa que filma tudo ao seu redor. Eu não tenho o costume de registrar tanta coisa assim, ainda mais em forma de vídeo. E com isso, depois de publicar apenas duas das minhas criações, eu já me vi sem material para continuar o processo.
E não para por aí: além de não ter mais muito insumo para construir minhas peças, eu também não sei mais o que filmar para produzir o material que me falta.
Olho para meu dia a dia atrás de alguma possibilidade, mas tudo é muito parecido com o que já fiz antes. Aproveito então uma viagem para tentar takes diferentões e fazer material pra vários vídeos, mas só acabo frustrada por não conseguir muita coisa. Até quando saio sem celular, que me é tão costumeiro, fico chateada ao ver algo que poderia ser filmado e a oportunidade me escapa.
O que era pra ser uma ferramenta de experimentação criativa virou, sem querer, um poço de frustração. O que era pra ser apenas uma chance de me divertir se transformou em uma responsabilidade com a tal constância e uma preocupação sem fim de não conseguir cumpri-la.
E, por fim, o que era pra ser uma oportunidade de brincar com minha arte virou um lembrete maldito de que não existe lugar pra espontaneidade em tempos de algoritmos.
Quando a beleza do cotidiano acaba
Já falei em outros momentos sobre o quanto tem me feito bem olhar para o cotidiano com outros olhos e encontrar nele certa beleza e vivacidade que, até então, me passavam desapercebidos.
E acho que é por isso que a frustração me bate tão forte nessa história de ser tiktoker: porque, de repente, essa beleza toda já não é mais suficiente.
Eu já filmei esse céu e essa flor bonita. Já consegui uma imagem linda das nuvens, dos meus bichos, da minha comidinha favorita e até daquele café superfaturado que comprei na semana passada. O vídeo anterior já tem um close desse e desse detalhe daqui de casa, assim como da árvore que vejo quando saio para passear com o cachorro.
Assim, tudo se torna mais do mesmo e perde um pouco do seu encanto. As coisas deixam de ter aquela magia inexplicável e se tornam apenas mais uma coisa em que já dei check de alguma forma. E, sem perceber, eu me pego pensando que meu entorno não tem mais graça.
O dia perde um pouco da cor, as tarefas deixam de ser interessantes e os detalhes do mundo se tornam enfadonhos. E, se as coisas ao meu redor já não me parecem tão legais assim, isso significa que a minha vida não é tão interessante quanto eu gostaria.
E é aí que mora o problema.
Me ilude que eu gosto
A forma com que os algoritmos dessas redes são construídos para nos fazer duvidar das nossas vidas e nos deixar miseráveis não é nenhuma novidade. O que pega aqui é que, mesmo sabendo dessa lógica, ninguém está imune a ela.
E olha que, no meu caso, eu nem precisei imaginar que a grama do vizinho era mais verde do que a minha. Bastou não ser aesthetic como eu gostaria pra que ela perdesse toda a sua cor.
Mesmo tentando fugir das tais estratégias e regras algorítmicas, criar algo em uma grande rede vai, inevitavelmente, mexer com a sua cabeça. Ainda que seu propósito seja apenas se divertir no processo, o capitalismo tardio não vai deixar que sua humanidade ganhe espaço e vai quebrar o seu espírito até que você se adeque a ele.
Sabe aquela história de que Fulano conseguiu remunerar sua criação e não precisa mais trabalhar naquele emprego que tanto odiava? Ou da Ciclana que encontrou o seu nicho e agora ganha dinheiro sem nem mostrar a cara? E Beltrane então, que em pouco tempo já monetizou o perfil seguindo os passos deste curso imperdível?
Essas narrativas só existem para que a gente também caia nessa ilusão. Afinal, quem é que não adoraria abandonar um emprego que não gosta para viver da própria arte? Quem é que não gostaria de ter um horário flexível, trabalhar menos e ter a liberdade de se sustentar com o próprio processo criativo?
Muito sonho, né? Até bom demais pra ser realidade.
A real é que estamos todos infelizes, inseguros e desesperançosos com o atual cenário. Os trabalhos ficam cada vez piores, o dinheiro parece render cada vez menos, é bomba de estímulo a cada segundo e um vazio que só cresce a cada dia. A vida vai se tornando insustentável, a sobrevivência parece cada vez mais pesada e, como se isso já não fosse o suficiente, ainda estamos acompanhando o retorno do fascismo e a destruição iminente do planeta.
Não tem como: estamos desesperados por uma mísera luz no fim do túnel.
Então é óbvio que as promessas fajutas de enriquecimento rápido, por mais que tenham cara de esquema de pirâmide, gerem uma série de sentimentos malucos dentro da gente. Mesmo sabendo que não é real, a gente sonha com qualquer possibilidade de uma realidade minimamente melhor.
E o pior é pensar que, no fundo, isso nem é sobre enriquecer ou qualquer merda do tipo. Esses discursos mexem com a gente porque tocam exatamente na ferida: a possibilidade de uma vida mais tranquila, com mais tempo livre e menos perrengue. Só isso.
Mas, dentro do contexto atual do sistema, parece que até isso é pedir demais.
E, assim, as coisas ao nosso redor vão perdendo seu encanto, a vida vai ficando menos colorida e nosso cotidiano, mesmo cheio de possibilidades, parece sempre ser insuficiente.
Quebrando as correntes
Adoraria vir aqui falar como eu descobri uma fórmula infalível para não se perder nas promessas do algoritmo e produzir de maneira mais consciente. Inclusive, aposto que daria um ótimo curso de como vender curso que, no fim, só me tornaria mais uma das pessoas que tanto me afligem hoje em dia.
Mas esse texto não é um guia de como produzir de maneira diferente. Esse é apenas um espaço de desabafo e diálogo para quem, assim como eu, está tentando se encontrar nesse fluxo e descobrir se ainda é possível ser criativo em tempos de algoritmo.
O problema, como já comentei em outro texto, é como somos levados a dançar conforme a música mesmo quando não queremos. Como somos cooptados a acreditar que fazer de nossas vidas um negócio é o melhor caminho, mesmo que nosso sonho seja apenas fazer arte. E como o sistema faz parecer que não existe outra saída para uma vida com mais tempo livre a não ser essa ilusão das redes sociais.
Eu continuo tentando filmar algumas coisas por aí e fazer um pouco de arte com isso. Continuo inclusive meio ansiosa sobre ter que fazer mais, e estou aqui, lutando pra encontrar um equilíbrio mais saudável entre criação e pressões socialmente construídas em cima da gente.
Não sei até que ponto isso vai fazer sentido ou mesmo se eu vou conseguir manter um ritmo aceitável. Não sei até que ponto esse espaço vai ser construtivo para o meu processo criativo ou se ele vai me bagunçar por inteira.
O que eu sei é que, enquanto for possível, eu quero criar. Seja lá como for. E, enquanto for possível também, eu quero continuar nadando contra a corrente e sendo o meu próprio experimento de criação mais humanizada nesses espaços tão artificiais.
Será que vai ser o suficiente? Não sei.
Mas eu vou continuar tentando e resistindo. E acho que esse é o único caminho para começar a mudança que tanto busco nesses espaços.
Indicações da V
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Me conte nos comentários o que achou desse texto e deixe seu coração pra ele também! Adoro saber que minha arte chega até as pessoas e cumpre seu papel de sementinha.
Lembrando que eu continuo falando umas bobagens lá no instagram, caso queira me acompanhar. Pode chegar que eu vou adorar te receber!
eu desisti das redes sociais no começo do ano (ou no fim do ano passado, não me lembro exatamente) e foi uma das melhores decisões que tomei: estou livre da “obrigação” de ver tudo o que os meus amigos postam e de sentir essa pressão por ter de gerar conteúdo a todo momento. fico só com a newsletter, que estabeleci como semanal. por enquanto, tem dado certo para mim.
Esse tema pega todo mundo. A arte x tudo é mercantilizado pelo sistema, e quando menos esperamos, o que estava sendo um processo criativo bacana, vira cobrança e comparação. Eu ainda sumo das redes, só estou esperando criar coragem kkkk