Três semanas. Se não me engano, foram pelo menos uma três semanas de muita fumaça e fuligem por aqui.
Começou com uma espécie de tempestade de areia no fim de agosto, que derrubou sinal de internet e celular em metade da cidade. Depois, apesar de mais “ameno”, o clima ainda era muito seco e empoeirado. O sol se punha com aquela cor vermelha que parece linda, mas que perde seu encanto quando a gente descobre que só fica assim por conta de muito fogo e destruição.
Saber que as chamas acabaram com tanta coisa pelo caminho e adoeceram tantas pessoas já é terrível por si só. Saber que teve quem perdeu casa ou mesmo a vida nessas queimadas criminosas já é revoltante o suficiente, vamos combinar.
Mas sabe o que realmente me pegou nessa história toda?
É que, mesmo sofrendo consequências terríveis por conta das queimadas, nós continuamos trabalhando normalmente. O mundo “lá fora” se acabando em chamas, temperaturas insustentáveis ao longo dos dias, a gente sem nem conseguir pensar direito por intoxicação de monóxido de carbono e o chefe ainda pedindo aquele relatório, como se nada estivesse acontecendo.
Quem é que não coringa com uma merda dessas?
Senti uma diferença absurda no meu nível de produtividade e raciocínio, além de uma canseira sem igual. Mas não teve jeito: o que realmente ficou pra trás nisso tudo e não saiu nem por reza brava foi a minha escrita.
Eu simplesmente não tinha vontade nenhuma de escrever, de produzir, de filmar, de dançar ou qualquer coisa do tipo. Eu não tinha vontade de criar arte. Eu não tinha energia pra nada além de existir.
Só que, claro, eu não tinha a opção de apenas existir. Apesar de estar intoxicada pela fumaça mortal, eu continuei fingindo que nada estava acontecendo e mantive minha rotina de trabalho e faculdade como um ser humano normal.
E aí que tá: o que tem de normal em fingir que o mundo ao redor não está sendo destruído? O que diabos tem de funcional em continuar produzindo o que o sistema espera da gente enquanto ele acaba com tudo a nossa volta?
Não tem criação que sobreviva quando tudo o que se vê é a destruição. Não tem energia que se sustente quando até o ar te derruba. E não tem vontade que prevaleça quando tudo o que te sobra é fazer justamente o que te mata por dentro.
Foi tanto fogo que, eventualmente, minha criatividade e vontade de fazer arte foram de arrasta pra cima. Eu até tentei uma coisa aqui e ali, achando que a persistência seria o suficiente pra me colocar de volta nos trilhos, mas foi um ledo engano. Infelizmente, quanto mais eu insistia, mais distante do meu objetivo eu ficava.
Cheguei a pensar que esse era o fim da minha criação. Que eu havia chegado em algum limite e, dali pra frente, seria só ladeira abaixo. E, principalmente, cheguei a me questionar se ainda fazia sentido pensar em histórias e escritos enquanto o mundo arde em chamas.
Mas aí minha amiga se casou com a mulher que ama. E, depois disso, tudo foi diferente.
Testemunhar o amor de pessoas queridas é algo que dá um quentinho muito gostoso no coração. E parece que isso só se intensifica quando se trata de um casal LGBT+.
No entanto, pra além da beleza de duas pessoas dizendo “sim”, existe também uma esperança em ver essa escolha em meio ao caos generalizado. O mundo parece que vai de mal a pior, mas isso não impede que as pessoas busquem a realização e o amor que merecem.
E foi aí que eu entendi que a minha criatividade não estava morta e enterrada. Ela só precisava de um pouco mais de vida.
Assim como nosso corpo, o processo criativo também precisa ser nutrido. Ele também demanda cuidados e atenção. E em tempos de crise, em que tudo parece desmoronar, é justamente quando ele mais precisa ser alimentado com esperança e vivacidade.
E nada melhor pra ressuscitá-lo do que duas pessoas se amando e mais tantas outras compartilhando da alegria coletiva que é esse momento, né?
Percebi que o que me faltava não era cognição, mas nutrição. Eu precisava sair por aí, me cercar da vida acontecendo, me encantar com o cotidiano e ter o que me motiva a criar. Eu precisava manter a chama acesa em mim de alguma forma. Eu precisava do básico do básico, mas não só pro meu corpo.
Eu precisava me lembrar de que eu também era humana. E ainda bem que uma viagem com Pablo Vittar como a voz do Waze e um casamento lésbico emocionante fizeram isso por mim.
Nem sempre é possível ser criativo como se deseja. Nem sempre o nosso entorno nos permite encontrar o que nos inspira e nos move para a arte. E, às vezes, é difícil também se humanizar quando tudo ao redor faz o movimento contrário.
Mas o que tenho aprendido é que, felizmente, amanhã é um outro dia. Uma outra oportunidade de encontrar o que nos motiva e nos entendermos no mundo e expressarmos nossa experiência nele.
Uma nova chance de nutrir aquilo que nos faz sentir vivos.
Oi sumida
Essa edição foi um parto, confesso. Fiquei tanto tempo sem escrever que, ao tentar voltar e fazer essa news, senti como se eu tivesse que reaprender como produzir uma crônica. Foi um trem de doido.
O processo de voltar aos trilhos não é tão simples, ainda mais agora que tenho uma opção de assinatura paga. Parece que falhei em algo muito sério, e isso deixa tudo ainda pior.
Mas aos poucos vou voltando e tentando reencontrar meu ritmo por aqui. Espero que goste de acompanhar esse novo momento comigo <3
Gostou do que leu?
Obrigada por me acompanhar até aqui e não desistir de mim!
Me conte nos comentários o que achou desse texto e deixe seu coração pra ele também. Adoro saber que minha arte chega até as pessoas e cumpre seu papel de sementinha.
Lembrando que eu continuo falando umas bobagens lá no instagram, caso queira me acompanhar. Pode chegar que eu vou adorar te receber!
Tem períodos que escrever parece impossível, não é? Outros nos quais a gente só deseja se derramar em reclamações e daí paralisa, com receio de soar pesado - e tá tudo bem ser, porque o normal da vida é viver altos, baixos e a frequência da normalidade no meio disso tudo. Como na meditação, o importante mesmo é sempre voltar, quando a gente se perde no caminho.
Sei que nem sempre é possível ser criativo diante de cenários turbulentos, mas sua escrita, pra mim, é um contínuo ato de resistência e um convite para olhar o mundo com mais sensibilidade e humanidade.
E, claro, obrigada por estar presente em um momento tão especial, amiga!